quarta-feira, 4 de março de 2009

Fobia Social:Alergia a gente


Pessoas muito quietas, sensíveis ao contato social e com verdadeiro medo de ser o centro das atenções são às vezes muito mais do que tímidas. podem sofrer de fobia social, transtorno associado à ansiedade que atinge de 5% a 13% da população mundial

Quando se fala em transtorno relacionado à ansiedade, geralmente o assunto cai em síndrome do pânico. Mas o problema mais comum que se encaixa nessa definição é também menos conhecido: a fobia social. O problema caracteriza-se pelo temor em falar em público, assinar cheques ou documentos quando alguém está olhando, ir a festas ou reuniões, comer na frente de estranhos. A lista de medos é extensa e está relacionada à ansiedade que essas situações causam em seus portadores.

Antes de meados da década passada, pessoas que não conseguiam se sentir à vontade na presença de outras eram consideradas só muito tímidas pelos psiquiatras — o primeiro antidepressivo específico para a problema foi aprovado (nos EUA) há três meses.

Algumas pesquisas indicam que as mulheres sofrem mais de fobia social do que os homens, mas são eles que procuram mais ajuda, segundo o psiquiatra Antonio Egidio Nardi, coordenador do Laboratório de Pânico e Respiração do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Talvez isso aconteça porque as mulheres fóbicas conseguem "fugir" das situações que lhes causam ansiedade — deixam tarefas como ir ao banco ou ao supermercado para o companheiro, muitas vezes optam por ser donas de casa. Os homens geralmente escolhem profissões em que podem trabalhar sozinhos — como às ligadas à informática —, mas não conseguem escapar de reuniões ou de assinar documentos.

Causas desconhecidas
Ainda não se conhece a causa da fobia social, mas há fortes indícios de que possa ser genética, porque costuma aparecer em várias pessoas da mesma família.

Os sintomas da fobia social surgem em geral na adolescência, entre 15 e 20 anos, mas podem aparecer mais cedo, em crianças que têm medo de resolver um problema de matemática no quadro negro, de usar banheiros coletivos e de brincar com outras crianças. O adolescente fóbico evita festinhas, não paquera, morre de medo de ser chamado pelo professor para responder perguntas na frente da classe.

Mais do que a simples dificuldade em lidar com situações sociais, "há um verdadeiro terror à interação com outras pessoas. As conseqüências são limitantes e debilitadoras para o portador", diz Nardi. É quase uma "alergia" a gente, que faz o corpo responder com sintomas como tremores, suor e diarréia.

Mas o pior problema decorrente da fobia social é a ansiedade antecipada. A pessoa começa a sofrer a partir do momento em que recebe a notícia de um compromisso do qual não poderá escapar. Não adianta treinar ou se preparar para o evento, a ansiedade não passa. Pior: tende a aumentar à medida em que o compromisso se aproxima. O fóbico social sofre sempre "antes e durante", às vezes por longos períodos. .

Friozinho na barriga
A fobia social nada tem a ver com a ansiedade social, aquele tipo de "friozinho na barriga" que todo mundo tem quando se aproxima uma situação social nova, como uma apresentação pública, uma aula ou uma festa. Esse tipo de ansiedade é normal e até útil, porque estimula o palestrante a preparar melhor o discurso e o ator a ensaiar mais a peça, por exemplo.

A fobia social, por outro lado, paralisa a pessoa, diminui seu bem-estar, prejudica seu desempenho profissional e não permite que ela se prepare e enfrente as situações que considera ameaçadoras. O fóbico apenas suporta tais situações, sempre com ansiedade e sofrimento: a fobia social é o medo patológico de agir de forma ridícula na presença de outras pessoas.

O sintoma mais comum associado à fobia social é o medo de falar em público, mas um estudo feito no Programa de Ansiedade e Depressão do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro mostrou que a maioria dos pacientes diagnosticados como fóbicos sociais tinha dificuldade em assinar o nome na frente dos outros — um compromisso muitas vezes inevitável. "Há casos de fóbicos que não vão votar por terem que assinar o nome na frente do mesário", conta Nardi.

A fobia social é reconhecida hoje como um transtorno altamente incapacitante, porém a grande maioria dos portadores não procura tratamento, porque se acham (e são tidos como) apenas pessoas "altamente tímidas".

Não há cura para a fobia social, o portador precisa aprender a viver com o problema e, para isso, conta com tratamentos que ajudam a amenizar os sintomas.

Há dois remédios para tratar o mal, que podem ser usados juntos ou separados: o primeiro é o medicamento aprovado recentemente, um antidepressivo que prolonga a ação da serotonina — neurotransmissor relacionado às mudanças de humor. O outro é um tipo de calmante (o benzodiazepínico).

Em média, leva dois anos para que o paciente possa parar de usar a medicação e desfrutar de algum bem-estar no seu dia-a-dia. Mas as chances de recaída são grandes (cerca de 85%) quando o tratamento é interrompido.

Junto com os medicamentos, também é usada a psicoterapia cognitivo-comportamental, na qual se busca "dessensibilizar" o paciente expondo-o, sob condições controladas, às situações em que surge a ansiedade, para que vá aos poucos ganhando confiança.

Revendo as "amizades"
Era de se esperar que, com o tratamento, o fóbico social ampliasse seus relacionamentos sociais, mas o fóbico acaba reduzindo seu círculo de amizades à medida em que vai se sentindo melhor.

Isso acontece porque o fóbico vive por vezes cercado de oportunistas e "chatos" que se aproveitam do fato de ele não ser capaz de dizer um simples "não" — esse tipo de pessoa aproveita a fraqueza do outro para pedir favores ou dinheiro emprestado, por exemplo. O fóbico não consegue nem dizer não a um vendedor, o que faz com que seja confundido com um comprador compulsivo, quando, na verdade, o problema é o medo de impor sua vontade.

Com a recuperação da auto-estima depois do tratamento, o fóbico social passa a rever esse tipo de amizade, afastando-se do oportunistas. "Muitas vezes, depois do tratamento, o fóbico chega a abandonar o companheiro com quem vive há anos", acrescenta Nardi.

(Por Cássio Leite Vieira)



A fobia social pode ser dividida em dois tipos
Generalizada: o portador tem medo de quase todo o tipo de contato social, como assinar o nome em documentos, ir a festas e participar de reuniões. É o tímido patológico.
Circunscrita: o paciente pode ser extrovertido em certos casos, mas teme situações sociais específicas, como falar em público ou comer perto de estranhos —nesse último caso, é comum apelar primeiro ao álcool, para vencer a timidez, e só depois começar a refeição.




"Eu tinha medo de dizer não"
Valéria, 30 anos, arquiteta carioca

"Os primeiros sintomas de ansiedade excessiva surgiram por volta dos 15 anos. Na escola, tinha taquicardia e tremores antes de apresentar trabalhos na frente dos colegas e isso afetou meu desempenho.

Nas rodas de amigos, eu ficava calada e, se alguém me dirigia uma pergunta, ficava vermelha de vergonha. Tinha medo de ser criticada se precisasse concordar ou discordar com a opinião de alguém. Temia também dizer não às pessoas, achando que seria desagradável.

Quando juntava coragem para ir a festas, ficava num canto, calada, sem dançar. Comer em público era outro problema: tinha medo de que as mãos tremessem ao segurar os talheres. Na época do vestibular, fiz dos estudos uma válvula de escape. Cortei de vez festas, idas ao cinema, reuniões. Praticamente anulei minha vida social.

Eu queria ser igual às outras pessoas, mas não conseguia. Eu me achava a única no mundo assim e guardava esse segredo a sete chaves.

Há cerca de seis anos, procurei ajuda médica e fui diagnosticada como fóbica social. O tratamento com medicamentos e sessões de psicoterapia durou cinco anos. No começo do ano passado, achei que estava pronta para largar ambos.

A fobia social nunca atrapalhou minha carreira profissional, mas prejudicou muito minha vida social e afetiva. Desisti de muitos pretendentes, deixei de viver e de fazer muita coisa. Sofri calada por muitos anos."



Temores do fóbico social

Falar em público
Assinar o nome na frente de outros
Ir a festas ou reuniões
Comer na presença de estranhos
Trabalhar como parte de uma equipe
Entrar em salas nas quais todos já estejam sentados
Para os homens, urinar em banheiros públicos
Olhar diretamente nos olhos de estranhos
Ser o centro das atenções
Paquerar
Reações do corpo

Alteração do sono e do apetite
Dificuldade de concentração
Suor excessivo
Tremor das mãos
Taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos)
Ruborização (ficar "vermelho" de vergonha)
Diarréia
Sensação de desmaio
Aperto no tórax
Palpitação
Dor de cabeça
Inquietação


Alcoolismo e depressão
Entre os fóbicos sociais, cerca de 40% passam por depressão em alguma época da vida – desses, 15% tentam o suicídio. Para o psiquiatra clínico, não é fácil distinguir a depressão da fobia social, porque a ansiedade é comum em pessoas com depressão, ao mesmo tempo em que os sintomas depressivos também são comuns na fobia social.

A diferença é que pacientes com depressão restringem suas atividades sociais por causa da perda de interesse, de prazer ou de disposição. Com os fóbicos sociais, isso ocorre por causa da ansiedade gerada pelo temor de enfrentar as situações públicas.

A depressão do fóbico ode vir da "síndrome geral de desmoralização", decorrente das limitações que o transtorno impõe à vida dos portadores. "O paciente fóbico tem em geral baixa auto-estima, bem como uma percepção distorcida de suas qualidades e de seus defeitos, com tendência a minimizar as primeiras e exagerar os últimos", explica Nardi.

O alcoolismo é outro problema, que atinge cerca de 15% dos pacientes. Isso acontece porque o álcool tem a capacidade de diminuir a ansiedade. Além disso, parte dos fóbicos também acaba ingerindo tranqüilizantes para diminuir a ansiedade, sem orientação médica — o que também causa dependência em muitos casos.

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